RIO - A violência sexual atinge uma em cada quatro mulheres, segundo dados da Organização Mundial de Saúde. No Rio, os casos chegam a 35%, de acordo com o Instituto de Segurança Pública. A legislação brasileira permite a realização de abortos em vítimas de estupro, mas a rede pública de saúde oferece o serviço em apenas uma unidade em todo o Estado. Ainda assim, de forma não satisfatória. No Hospital Municipal Fernando Magalhães, em São Cristóvão, a interrupção de uma gravidez indesejada esbarra nos tabus e nas exigências dos médicos, que freqüentemente se recusam a realizar o procedimento por motivos religiosos e éticos.
– Nos últimos cinco anos, só foram feitos 36 abortos legais. Está clara a dificuldade da maternidade em realizar o serviço – avalia a Coordenadora do Núcleo de Saúde Reprodutiva e Trabalho Feminino da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ludmila Cavalcanti.
O problema foi constado em um estudo realizado pela Escola de Serviço Social da UFRJ e pela Secretaria Municipal de Saúde nos cinco núcleos de atendimento à mulher em situação de violência sexual, que funcionam nos hospitais municipais Fernando Magalhães e Herculano Pinheiro, em Madureira, e nos hospitais maternidade Alexander Fleming, em Marechal Hermes, Carmela Dutra, no Méier, e Osvaldo Nazaré, no Centro. O resultado da pesquisa será apresentado a profissionais de saúde e gestores no seminário “Diálogos no enfrentamento à violência
sexual contra a mulher: um desafio para as políticas sociais”, segunda-feira, às 9h, no Hotel Atlântico Copacabana, com o objetivo de melhorar o atendimento prestado na rede pública. O seminário faz parte dos 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra a Mulher, uma iniciativa que acontece em vários países. O próximo passo do estudo é avaliar as unidades que prestam atendimento às vítimas de violência sexual no Estado.
– A violência não escolhe cor, raça e idade. Pode ser cometida por estranho ou companheiro. Cerca de 70% delas são cometidas pelo próprio parceiro e 5% delas resultam em gravidez – justifica a professora da UFRJ a importância do trabalho de monitoramento do atendimento prestado às vítimas.
Nos núcleos de atendimento da prefeitura, as mulheres recebem remédios para evitar hepatite, aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, além da pílula do dia seguinte. Desde 1940, o Código Penal permite a interrupção da gravidez fruto de estupro. Além de apenas uma unidade realizar o serviço, o número de abortos legais no Estado é baixo (de 2003 a 2008 foram 36) porque os médicos se recusam a realizar o procedimento, conforme mostra o estudo.
– Ainda existem profissionais que se negam e não sabem que isso é um direito. Eles pedem autorização judicial e boletim de ocorrência. Por religião ou código de ética também alegam que não querem fazer – observa Ludmila.
Outra dificuldade é a adesão das mulheres ao tratamento. A maioria interrompe o acompanhamento médico e psicológico antes da hora, por tristeza, medo, vergonha e depressão. Em compensação, as entrevistadas durante a pesquisa se disseram satisfeitas com o atendimento nos núcleos. A Secretaria Municipal de Saúde informou, em nota, que não há dificuldade no atendimento de pacientes que desejem fazer aborto legal, não havendo demanda para a implantação de serviços em outras unidades.
Ana Paula Verly, JB Online
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