| Leitura de fatos violentos publicados na mídia Ano 9, nº 23, 06/07/09 |
TOMAR AS VÍTIMAS COMO VETORES DA PAZ |
Gilson Barreto foi a um bar em 18 de outubro de 2008, comemorar os seus 31 anos de idade. É um barzinho no Nordeste de Amaralina, bairro onde habitava o aniversariante. Saindo dali ele cruzou com uma guarnição da polícia militar. Como se tornou comum, nessas circunstâncias, ele adiantou o passo, assim como os seus amigos e os que se encontravam no mesmo percurso. Foi aí que ele foi morto.
Os familiares e amigos do jovem assassinado fizeram manifestação em via pública, interrompendo a avenida Manoel Dias, uma das mais modernas da Pituba, com a queima de pneus. Assim a cidade ficou sabendo da história de um jovem porteiro, pai de duas crianças, nascido em criado no Nordeste de Amaralina que foi morto por policiais. Em seu favor vieram os membros de sua extensa família, os amigos, os moradores do prédio onde ele trabalhava e o Fórum Comunitário de Combate à Violência.
Como em outros casos semelhantes, Gilson é descrito pelos policiais como alguém que se encontrava em atitude estranha, colocando em risco a guarnição. Pobre, negro, jovem, morador de bairro popular, tinha um perfil adequado ao script das cenas e cenários das mortes violentas praticadas por integrantes do corpo da segurança pública.
Em 27 de junho de 2009 o jornal A Tarde traz uma curta notícia com o título "Sete PMs acusados de matar porteiro". O diário lista, nominalmente, os denunciados pelo Ministério Público, informa acerca da data de ocorrência da morte e, também, evidencia a autora da acusação, promotora Isabel Adelaide. Através dos nomes dos denunciados é possível identificar que seis deles são do sexo masculino e uma é do sexo feminino.
A notícia é mais ou menos rara, ou seja, não é freqüente a publicização desse momento pelos meios de comunicação de massa, podendo-s dizer que a denúncia à justiça costuma passar ao largo do conhecimento público, especialmente quando se trata de casos com características habituais, tal como este. O estágio que tem se apresentado como o mais propício ao tratamento do fato pela mídia é aquele que se dá imediatamente ao óbito por violência de pessoas com o mesmo perfil sócio-econômico de Gilson. O que não quer insinuar que todos os eventos sejam contemplados pela agenda midiática, apenas chama-se a atenção para as chances de noticiabilidade maior no período aqui indicado. Aliás, ao menos em parte, isso explica a alocação que se atribui a esses fatos no universo da comunicação de massa: editoria de polícia ou denominações assemelhadas.
Tomando-se a morte de Gilson podemos observar uma perspectiva do drama familiar pouco considerada pela opinião pública. O jovem faleceu em outubro e somente no final de junho do ano seguinte é anunciada a denúncia pelo Ministério Público. E o que acontece no intervalo? Tem-se a impressão de que nada se dá. E esse "nada" é vivido com ansiedade, medo e desconfiança. Nesse tempo, os familiares descobrem que a sua história é idêntica à de outros grupos de pais, de irmãos e de amigos que perderam seus entes queridos. Reconhecem que são integrantes de uma fila que cresce, a cada dia, e torna comuns as suas dores, normais as suas histórias e infindáveis os seus esforços junto aos órgãos que compõem o sistema de justiça criminal.
Os filhos, os irmãos ou os amigos mortos transformam-se em números, diante da quantidade exorbitante dos óbitos por violência. Ao lado desses números-de-mortos crescem os números-de-vivos diante dos balcões das instituições que compõem os serviços de justiça criminal. Suas incessantes presenças assumiram a configuração de paisagem típica dos corredores internos às instalações da justiça. Não obstante o excesso, esse panorama, por si só, não tem funcionado como elemento capaz de pressionar os entes estatais no sentido de se dotar a justiça de condições para responder à dimensão das demandas que se multiplicam, continuamente. Ao lado disso, cabem providências preventivas, favorecendo-se a integração social dos setores que se encontram à margem da cidadania e que são, inúmeras vezes, indicados como os responsáveis pelos desacertos do sistema social.
Caberia um experimento que tomasse a dor dos familiares de mortos como medida relativamente ao que falta. Seria este um meio de homenagear aqueles que se foram, preenchendo a sua falta com um sentido nobre para toda a sociedade. É possível dotar os corpos inertes de força antiviolência, vetores da paz que interessa a todos.
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