domingo, 31 de maio de 2009

As marcas da dor: a luta contra a violência

“Hoje eu já sei que não quero mais voltar com ele, quero seguir minha vida”...

A violência doméstica ainda hoje vitima milhares de mulheres, que muitas vezes motivadas pela submissão feminina diante da figura do marido, permanecem caladas diante da dor. Por mais que a legislação garanta hoje um respaldo maior às vítimas, a realidade mostra que há dificuldades ainda maiores. Aline* tem 24 anos e atualmente luta contra a violência doméstica que sofre há mais de cinco anos do companheiro. Pela segundo segunda vez no abrigo para mulheres vitimadas pela violência doméstica de Cascavel, percebeu que é preciso mais do que uma lei que lhe garanta direitos e um local para ficar, é preciso determinação própria e coragem para encarar a triste realidade e conseguir mudar.

Aline conta que por anos foi violentada pelo companheiro, que hoje chama por “ex-marido”, pois depois de aproximadamente um ano que foram morar juntos ele começou a desrespeitá-la e a machucá-la e conforme o tempo foi passando, a violência foi piorando. “Era mais xingar, mas ele também partia para a violência quando eu não agüentava mais e retrucava”, conta ao lembrar que as palavras ditas pelo ex-marido eram tão violentas como uma agressão física. A vítima salienta que foram anos de briga, muitas vezes motivadas pela falta da droga, pois seu ex-marido era viciado, o que foi se tornando insuportável. “Por diversas vezes eu saí de casa, mas depois voltei pelos meus filhos que ficavam pedindo pelo pai e precisavam dele”, ressalta.
As idas e vindas não fizeram bem ao casal, pois Aline lembra que as piores agressões que sofreu foram nas voltas para a casa depois da separação. “E daí cada vez que acontecia de novo eu me sentia muito arrependida de ter voltado para ele, mas sempre acabava voltando. Este foi o meu maior erro.”, retoma. A vítima comenta que o ex-companheiro sabia de seus momentos de maior fragilidade para agredir mais, pois era quando estava desempregada e não tinha para onde ir, quando seus irmãos não podiam ajudar e quando estava grávida que a violência era ainda pior. “Ele via que eu estava mais indefesa e daí que ele prevalecia”, relembra.

A situação se repetia constantemente, e a convivência ficava cada dia pior. Aline conta que nas casas dos parentes já não podia ficar quando se separavam porque ele não a deixava em paz. A violência não parava nem mesmo os lugares que frequentavam, porque “era na igreja, hospital, qualquer lugar, ele não me respeitava”. As agressões eram fortes, mas a vítima revela que a vergonha o medo a mantinham calada. “Eu não tinha coragem nem de sair na rua, não dormia direito e faltava o emprego, tanto que fui perdendo tudo”, comenta.

Arrependimentos

“Eu deveria ter pensado desde o começo quando ele bateu em mim na primeira vez. Eu não precisaria estar passando por tudo isto. Não deveria ter tido tanto filho”, lamenta Aline. Mas, a vítima lembra que ficou iludida no começo, pois ele parecia ser um homem honesto, bom e trabalhador. “E sempre que acontecia jurava que nunca mais faria”, reforça.

Hoje, ciente de que as promessas eram em vão, sabe que precisa mudar sua história, porém que não será fácil. “Ele para mim agora é somente um homem muito violento e covarde. Já pensei muito e não quero mais ele para minha vida”, revela ao salientar que precisa pensar em seus filhos.

Futuro

Aline reforça que os filhos também foram os principais motivos que a fizeram procurar a polícia desta última vez que foi agredida, pois precisava de apoio para conseguir reverter à situação, que acabou virando um círculo vicioso. “Eu saí de casa porque não aguentava mais ficar com tanta briga, eu tenho cinco filhos e eles sofriam junto comigo”, comenta ao reforçar que sabe que o pai era mau exemplo para as crianças ao utilizar drogas e também mostrar tamanha violência. “Se eu não saísse de vez, eu nunca iria poder falar nada para um filho meu que colocasse uma droga na boca. E eles também estavam ficando violentos, aprenderam com o pai a me xingar”, reforça.

A vítima está no abrigo há mais de três meses afastada do ex-companheiro, com o qual mantém apenas conversas sobre os filhos. Lembra ainda de todas as violências que sofreu e garante que agora “machuca tanto como antes”, mas possuiu vontade de superar a dor e o passado. “Hoje eu já sei que não quero mais voltar com ele, quero seguir minha vida, voltar a trabalhar. Sei que vou conseguir”, finaliza esperançosa.


FRASE
“Ele para mim agora é somente um homem muito violento e covarde. Já pensei muito e não quero mais ele para minha vida”
Aline, vítima de agressões do marido

A violência: Os tipos de agressão

Violência doméstica é qualquer ação ou conduta de familiares ou pessoas que vivem na mesma casa, que causem sofrimento físico, sexual e psicológico à mulher podendo levar até, a morte. Essas violências constituem crimes e podem ter várias formas.

Pode ser dividida em violência física — quando envolve agressão direta, contra pessoas queridas do agredido ou destruição de objetos e pertences do mesmo; violência psicológica — quando envolve agressão verbal, ameaças, gestos e posturas agressivas; e violência sócio-econômica, quando envolve o controle da vida social da vítima ou de seus recursos econômicos. Também alguns consideram violência doméstica o abandono e a negligência quanto a crianças, parceiros ou idosos.

Estatisticamente a violência contra a mulher é muito maior do que a contra o homem. Em geral os homens que batem nas mulheres o fazem entre quatro paredes, para que não sejam vistos por parentes, amigos, familiares e colegas do trabalho.

Números: Campeão em violência

O Brasil é o campeão em violência doméstica num ranking de 54 países, os números são alarmantes a cada 16 segundos uma mulher é agredida por seu companheiro e 70% das mulheres assassinadas foram vítimas de seus próprios maridos, que este número não corresponde inteiramente à realidade, já que grande parte das mulheres tem medo de registrar queixa e por isso muitos casos não entram para a estatística.

Uma pesquisa realizada pelo Senado Federal em 2007 com mais de 800 mulheres, acima de 16 anos em todas as capitais brasileiras, 15% das entrevistadas assumiram espontaneamente já terem sido vitimas de alguma forma de violência domestica. Estima-se, entretanto, que esse número seja muito superior, tendo em vista as dificuldades de ordem psicológica, social e cultural de assumir a condição de vítima deste tipo de violência. Em qualquer caso, dentre aquelas que assumem terem sofrido algum tipo de agressão, 87%, relatam que as violações foram cometidas por maridos e companheiros. Sendo que 59% apontaram já terem sofrido violência física, 11% violência psicológica e 17% todos os tipos de violência.

Desculpas: E os direitos

Na definição da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, adotada pela OEA em 1994), a violência contra a mulher é “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

A Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos, realizada em Viena, em 1993, reconheceu formalmente a violência contra as mulheres como uma violação aos direitos humanos. Desde então, os governos dos países-membros da ONU e as organizações da sociedade civil têm trabalhado para a eliminação desse tipo de violência, que já é reconhecido também como um grave problema de saúde pública, uma vez que os dados da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que a violência contra a mulher afeta o bem estar de comunidades inteiras.

Existe várias ‘desculpas’ para a violência, entre elas, o fato de alguns homens se sentirem superiores as mulheres e com isso, tentarem impor suas vontades.
Apesar de os tempos serem outros, muitas mulheres ainda se submetem a serem vítimas das agressões. Porém, para aquelas que decidem pedir ajuda, existem as Delegacias da Mulher, que oferecem atendimento especializado.
Vale destacar que se a opção for denunciar o agressor, é importante contar detalhes e levar ou apontar testemunha.
Nos casos em que exista risco para a denunciante e de seus familiares, existem as casas-abrigo, que são moradias em local secreto onde a mulher e os filhos podem ficar afastados do agressor.

Lei Maria da Penha

A Lei 11.340/06, a Maria da Penha, foi sancionada em agosto de 2006, e cria mecanismos para conter a violência doméstica e familiar contra a mulher.
De acordo com a assessora técnica do Centro Feminista de Estudos (CFemea) na área de direitos humanos e enfrentamento à violência contra mulheres, Myllena Calazans, a Lei trouxe modificações positivas à legislação. Segundo ela, o número de denúncias cresceu desde a implantação da norma.

Porém, apesar das mudanças significativas, ela enumera algumas falhas, que devem ser solucionadas para a plena implantação da lei. “É preciso maior empenho do judiciário e maior compromisso dos operadores do direito. A implementação da lei deve ser prioridade no planejamento governamental, tanto no âmbito federal quanto nos estaduais e municipais”.


Fonte: CGN

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